A natureza da relação terapêutica

Rogério Buys

A relação terapêutica tem sido descrita na Abordagem Centrada na Pessoa de maneira que pode levar, e tem efetivamente levado, a confusões, tanto nos seus praticantes quanto nos que a criticam de fora.

Quando Rogers se refere à relação uma relação “de pessoa para pessoa”, o que quer dizer com isto?

Está maneira de referir-se à relação terapêutica pode dar idéia de que na terapia da ACP não cabe, por exemplo, uma atitude profissional; a relação é de “pessoa para pessoa” e não de “profissional para pessoa”.

Se na ACP não cabe uma relação profissional entre terapeuta e cliente, de que natureza seria esta relação? E uma pergunta difícil de ser respondida.

Alguns pontos devem ser esclarecidos para que a questão seja recolocada com mais clareza. Em primeiro lugar, o contrário de pessoal (relação pessoal) não é profissional, assim como o contrário de impessoal não é não-profissional. O contrário de pessoal é impessoal e o contrário de profissional é amador, diletante, não-profissional. Isto significa que uma relação terapêutica pode ser profissional pessoal; da mesma forma que uma relação entre “terapeuta” e cliente, amadorista pode ser impessoal.

Na ACP a relação terapeuta/cliente deve ser, pela própria natureza dessa abordagem, pessoal, muito pessoal.

Porém deve ser também igualmente profissional, vale dizer uma relação delimitada profissionalmente.

O que caracteriza uma relação profissional (em psicoterapia) em primeiro lugar é que uma pessoa com uma determinada formação se propõe a prestar serviços a uma outra que recorre a estes serviços e em segundo lugar, é remunerada por esta prestação de serviços. Isto significa que mesmo não cobrando ou não sendo remunerado um psicoterapeuta, quando procurado como psicoterapeuta não deixa de ser profissional.

Por outro lado, uma relação pessoal é aquela em que aspectos pessoais (que dizem respeito à pessoa e não a outras coisas) são examinados de uma forma pessoal (são considerados pelo terapeuta de forma pessoal). Ou seja, o terapeuta trata de forma pessoal os assuntos pessoais do cliente. Isto equivale dizer que o terapeuta na ACP deve considerar o que acontece na relação terapêutica como alguma coisa única que está ocorrendo neste momento e só nele. O cliente é uma pessoa única assim como o terapeuta e a relação entre eles é igualmente única – não cabe qualquer generalização ou enquadramento da experiência terapêutica em esquemas prévios de quaisquer naturezas.

Portanto, o ser profissional independe de ser pessoal ou não. Outro ponto que pode ser considerado neste assunto, é o problema da produtividade da relação terapêutica o que equivale dizer sua profundidade.

A profundidade da relação terapêutica está associada com o fato de ser pessoal ou não: uma relação impessoal jamais será profunda. Entretanto, não basta só ser pessoal para ser profunda. Ser pessoal é uma condição necessária mas não suficiente.

A profundidade também pode ser relacionada com o fato de a relação ser profissional ou não. Para ser profunda uma relação terapêutica deve ser profissional: um “terapeuta” amador não terá, me parece, condições de criar uma relação profunda. Isto pelas condições de descompromisso (tanto do terapeuta quanto do cliente) que existe neste tipo de relação.

O seguinte esquema esclarece as relações acima descritas:

onde se verifica que uma relação para ser profunda deve ser profissional e pessoal – todas as demais relações redundam cm relações não-profundas. Ainda, todas as relações são possíveis, menos a da linha pontilhada – uma relação não-profissional não poderá ser profunda. A relação pessoal-profissional-não-profunda é aquela em que existe o tratamento pessoal e profissional da relação mas que isto é feito de maneira superficial.

* Diretor Técnico do Centro de Psicologia da Pessoa, professor do Instituto de Psicologia da UFRJ, é autor do Livro “Supervisão de Psicoterapia na Abordagem Humanista Centrada na Pessoa”

Publicado no Jornal da Abordagem Centrada na Pessoa – Associação Rogeriana de Psicologia – Rio de Janeiro – dezembro 1996 – p. 7